quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A Carta

o inabitável pode derramar-se sem ao menos reproduzir-se.
segue o encanto dessa flor, finca a estaca nesse campo e sinta;
segue o caminho, esqueça a estrada. vira à direita, vire a esquerda.
a comparação pode ser esquecida, embora vivida. compartilhada.
há muitos dizeres presos nessa casa; NUNCA habitada. a casa, a casa...
a casa segue la', sem a flor. ha' uma vitrola que la' dentro toca; abandonada. 
a música não possui forças suficiente para abrir janelas. portas.
a casa inabitada so' possui uma flor, por enquanto, do lado de fora.
apenas seu perfume estimula a entrada. a vitrola
e assim a música segue seu ritmo. enaltecendo o chiado.
a vitrola se controla. 
ha' vizinhos por perto. 

a música precisa criar as entradas, pois o cheiro da flor que o consola em dias de angústia, outr'ora perturbou seus ruídos com polens desperdiçadas ao vento. sujando a agulha.
a sintonia permanece, com canções jamais reproduzidas em sulcos limpos.
(a sujeira ficou nas músicas passadas)
nas linhas do escuro e belo. nesse inócuo lugar jamais encontrado
porém demasiado grande, para a única flor que consiga elevar a música, sem criar a distorção ja' amargamente conhecida 
e com seu perfume que alucina

a flor esta' próxima. a única flor que nasceu próxima
o seu perfume segue para dentro. nas arestas.
nos vãos.
o perfume da flor exala, exala, exala
e a música aumenta, aumENTA, AUMENTA!
e mantém a canção.

Ele me escreveu.
No dia em que o abracei, o frio da barriga foi inevitável. Tanto quanto as mãos congeladas. Eu estava ali, naquele lugar que não chamei de meu. Mas quis. Naquele lugar que fingi ser meu refúgio por poucos e eternos minutos. Talvez horas. Eu o encontrei e de você ja' me esqueci. Não me olhe assim, eu te esqueci. Quando me abandonou, você não pensou o que poderíamos viver. La'. Você la', mas eu aqui. Por pouco tempo, muito pouco, eu descobri que ainda posso ser aquela mulher. Que sonhou. Mas em outro caminho. O mais provável e distante que você imaginou. Que eu imaginei! Porque você e' apenas meu personagem. E eu escolho seu caminho. Por ora, não o quero mais por aqui. Eu te criei. Eu te matei. Eu lia sua mente porque você na verdade era eu.

Com ele, eu pude entender. Eu consegui me confortar. Seus abraços, suas mãos, seu coração palpitando junto ao meu. Mas ele se foi. Porque uma hora ele iria. Mesmo sem saber se um dia ele novamente me encontraria. E essa partida eu não pude escolher. Ele era real! E a única coisa que me resta agora e' tentar entender porque ele ainda não voltou. Suas palavras não pareciam ser descartáveis. Eu senti que eram verdadeiras. Doces. A confissão que eu esperava. E agora essa flor so' te espera. Abre a porta. Abra a janela, qualquer lugar, mas por favor, me deixe entrar. Aumente essa canção. Meu 'não' é tão habitual quanto seus chiados. Os polens foram descuidados; afinal, faz parte da minha natureza. Eu so' espero que você me entenda que realmente foram necessários. Essa flor pode habitar essa casa, desde que haja adubo com aquele sentimento que rima com dor. Mas que seja indolor. Eu ja' estou entregue, so' espero a canção; alta, destemida, misteriosa! E que me alucina tanto quanto o perfume que te controla. Essa casa pode ser habitada sim, essa flor so' espera a hora certa.
O vento rege o perfume. O perfume rege a canção. E a canção rege o perfume. Eu so' penso em uma coisa ultimamente; que o vento continue, continue, continue e que a estaca no campo esteja fincada ate' o dia em que estiver aí, num vaso branco de porcelana. Ao lado da vitrola que, naturalmente, a musica, toca.
E me toca.

- rebeca

sábado, 21 de julho de 2012

Antes fosse...

Meu nome e' Rebeca e vocês ja' deveriam saber disso. Estou ha' algum tempo sem escrever, mas isso não quer dizer que minha vida mudou tanto daquele marasmo contagiante. Resolvi voltar, assim eu coloco algumas idéias em dia.

Veja bem, isso não quer dizer que você ganhou; quando me sugeriu com o retorno. Não, isso não e' nem um pouco um joguinho babaca infantil. Ok, eu vou me segurar nos palavões. Na verdade eu queria te contar sobre dia desses em que resolvi sair e tentar me divertir. Eu deixei de tomar lexapro por dois dias para tomar umas doses de vodka. Espero que meu médico não se chateie. Fato e' que dois dias me fizeram diferença. Fiquei irritada e quase briguei com o único cara que me suporta. O que me acompanhava nessa andança. Mas ok, foi ate' a primeira dose; e sorte a minha dele ser meu amigo, porque nem eu me aguento. A gente ate' estava preparado para qualquer coisa, mas quando digo qualquer coisa, exclui a expectativa de reencontrá-lo. Você sabe bem, ele. Eu posso jurar agora mesmo que eu não esperava. Você pode pensar o contrário, mas é serio. As pernas tremeram. O coração parecia que ia sair pela boca. E o suador foi tão intenso que fui obrigada a tirar a blusa nesse inverno que queima ate' a alma. Todos aqueles momentos em que passamos juntos passaram-se em poucos segundos pela minha mente. As brigas e discussões eu deixei para la'. Na hora. Na hora foi só sentimentalismo daqueles bem açucarados. E você sabe, eu me odeio quando estou assim. Não da para se apaixonar novamente, mas eu tenho certeza que ainda o amo. Bem como eu queria ter esses sentimentos que odeio, por alguém que eu sinta que vale a pena. Ele não vale. Por favor, não comente, eu ja' sei o que você esta' pensando. Eu juro que tentei esquecer. E da última vez que terminei, eu tinha certeza que seria para sempre. Mas vê-lo ali, parado, do tipo me esperando para um abraço, me doeu o coração. O cheiro de cigarro que tanto odeio misturado ao cheiro do alcóol, do perfume. Todo aquele odor que me remete de volta para o passado em que eu deveria esquecer. E queria esquecer.Todo aquele sentimento de espera que te lança para o futuro que não vai existir. Não, não vai. Não tem mais por onde ser. Antes fosse... Sim, eu sei, eu não sou nem de longe aquela Rebeca de tempos atrás. Dois dias sem medicação me joga para bem fundo. E ate' que o comprimido que tomei agora ha' pouco atinja sua meia-vida, eu vou continuar assim.

Fazia tempo que não acontecia. Eu fui ate' ele. Tentei fingir; não sei se ele percebeu. Mas eu tentei. Abracei, beijei, e o cheiro que eu não queria sentir; me derrubou. Minhas pernas tremiam ainda mais. Minha mão congelou. Eu toquei no braço dele para conversar. Eu mexi nos meu cabelos. Eu me comportei como ele. Eu fiz seus gestos, tudo para deixá-lo à vontade. Eu acompanhei cada olhada. Eu ouvi atentamente o que ele me falava. Eu lia seus lábios, mas ele não. Eu queria dizer algo, mas esperei. Eu não lembrava mais do meu amigo e muito menos daquele cara que estava interessado em mim. Eu apenas deixei a música levar. A música que eu nem reparei que tocava. Eu o convidei para dançar. Eu dancei, mas ele não. Ele apenas me encarava. Esperei a noite toda. Uma vida inteira que poderia voltar em poucos minutos. Uma vida inteira que poderia voltar inteira aqui pra dentro. Você jamais vai entender o que é isso, porque você e' homem. Mas eu queria tudo isso de volta. Não me interessavam mais as discussões. Eu não amadureci o bastante para entender, mas acho que posso fazer um esforço dessa vez. O cara que estava interessado em mim, se arrumou em poucos minutos em que me viu conversando. Era mais um sentido que eu procurava. Era mais um motivo que me alertava. Mas eu não ia tomar a iniciativa, embora devesse. Porque ele percebeu. Ele deixou tudo de lado para estar ali, comigo. Dançando. Me olhando. Observando cada passo descoordenado que eu insistia em errar. E bem na hora em que ele perguntou se eu queria - eu fui covarde, pensei, pensei, pensei. Cinco segundos que parecem ter demorados cinco anos. Respondi que não. NÃO! Eu atuei. Fiz cara de espanto. Ele deu um sorriso e sumiu...

  Rebeca Stocatti